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Erro Epistêmico - José Nedel

10 de dezembro de 2019

O princípio da presunção de inocência inscrito no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal preceitua: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Lê-se também na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 (art. XI), e na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 (art. 8). Em ambos esses diplomas internacionais, entretanto, tem extensão menor que em nossa Carta: só vale até prova em contrário. Pelo visto, o Constituinte brasileiro extrapolou o alcance da presunção, passando por cima da prova em contrário que naturalmente a afasta. Conferir-lhe sobrevida, mediante cláusula constitucional, após o esgotamento da prova em contrário, é um erro epistêmico não desprezível. Esse aspecto, no entanto, tem passado in albis nos debates sobre a matéria.

Com efeito, presunção pode ser entendida como conjetura, suposição, hipótese, juízo baseado em aparências, opinião. Por não basear-se em evidências objetivas, não gera convicção ou tranquilidade mental de se estar na verdade. A clara manifestação das coisas, atos, fatos, intenções, etc. que surge na fase processual probatória, substitui a presunção pela certeza, quer de inocência quer de culpabilidade. Continuar impondo a presunção por ato legislativo, até o trânsito em julgado, após esgotamento do exame da prova, é desnaturar o próprio fenômeno da presunção, escancarando grave déficit epistêmico, para não dizer tentativa ousada de legislar sobre a natureza do pensamento ou do conhecimento humano.

Seja qual for a interpretação, assim está legislado. Há mais: vigora como cláusula pétrea, segundo a communis opinio doctorum. Isso leva a concluir que também se “petrificou” ou cristalizou um erro filosófico importante, que urge ser expungido da nossa Carta. Aliás, uma rápida consulta à Teoria do Conhecimento teria permitido evitá-lo, a exemplo do que fizeram os autores dos diplomas internacionais referidos.

(Dezembro de 2019)

Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 29

José Carlos de Souza Lobo

José Carlos de Souza Lobo nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 11 de outubro de 1875, filho de José Teodoro de Souza Lobo e Rita da Graça Lobo. Estudou na Colégio Rio-Grandense de Porto Alegre. Formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1904. Foi funcionário da diretoria da Instrução Pública do Rio Grande do Sul e advogado da Justiça Militar, em Porto Alegre.

No meio jornalístico, José Carlos Lobo foi diretor do Correio Mercantil e, em Porto Alegre, foi redator...

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