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A poesia de Erico Verissimo

26 de maio de 2025

A conversa de hoje, em homenagem a Erico Verissimo é sobre a sua poesia. Poesia? Sim, em toda a obra de Erico há passagens poéticas, de certa maneira líricas.
Em Clarissa (1933), o primeiro romance de Érico Veríssimo, encontramos uma obra rica em lirismo e sensibilidade, sendo marcada pela forma delicada com que o autor retrata o mundo interior da jovem protagonista:
“A noite vinha chegando. Os telhados da cidade tinham uma cor de ferrugem molhada. As árvores do Gasômetro pareciam sonhar, paradas. Clarissa sentia-se estranha, com uma espécie de alegria e tristeza misturadas. Como se tudo estivesse cheio de música.”
Essa passagem captura o tom introspectivo e sensível da narrativa, em que o cotidiano ganha contornos poéticos através da percepção de Clarissa. Érico Veríssimo é habilidoso ao expressar os sentimentos da adolescência e a descoberta do mundo com uma linguagem que beira à poesia.
Uma das passagens poéticas mais conhecidas de sua obra está em “O Tempo e o Vento”, no volume “O Continente”:
“O tempo é um rio que corre sem cessar, arrastando os dias, as noites, as vidas... Tudo passa, tudo corre. Mas há momentos que ficam para sempre.”
Essa passagem revela o estilo poético de Erico ao tratar de temas como tempo, memória e permanência, que são centrais na sua obra. Ele frequentemente escreve com lirismo, mesmo quando descreve eventos históricos ou dramas pessoais.
Não posso deixar de mencionar uma personagem marcante: Trude Weil, no volume O Arquipélago da trilogia O Tempo e o Vento. Trata-se de uma personagem real e não fictícia: a minha avó, que Erico Verissimo conheceu em Cruz Alta. Essa representa a intelectualidade e a sensibilidade em meio às transformações políticas e sociais do século XX. Sua presença na narrativa é envolta em lirismo e profundidade emocional.
Trude, uma mulher judia e culta, é retratada por Érico Veríssimo com nuances que refletem tanto sua fragilidade quanto sua força interior. Sua relação com Floriano Cambará é permeada por diálogos introspectivos e reflexões sobre arte, amor e identidade. Em diversos momentos, Érico utiliza uma linguagem poética para expressar os sentimentos e pensamentos de Trude, especialmente ao abordar temas como a memória, o exílio e a busca por pertencimento.

Uma passagem lírica que reflete a sensibilidade de Trude Weil e sua relação com Floriano Cambará:
“Sim, esta luz de ouro novo que agora entra alegre pelas janelas, parece ter a capacidade de atravessar as pessoas e as coisas, deixando-as transparentes e vazias de conteúdo dramático.” 
Essa descrição poética transmite a atmosfera de introspecção e a conexão emocional entre os personagens, destacando o estilo lírico característico de Erico.
É notável como Érico Veríssimo emprega um estilo lírico ao desenvolver a personagem de Trude Weil, conferindo-lhe uma profundidade que ressoa nos leitores e enriquece a narrativa de O Tempo e o Vento.
Ainda na trilogia O Tempo e o Vento, Erico apresenta passagens com um tom profundamente lírico, como as descrições sobre o Rio Grande do Sul e os momentos de introspecção dos personagens. Um exemplo disso é o tom quase poético das reflexões de Bibiana Terra e do Capitão Rodrigo.
Em Incidente em Antares, também há momentos em que o autor insere reflexões de caráter quase poético, especialmente nos trechos que descrevem o universo dos mortos que retornam à vida e criticam a sociedade. Apesar de não ser um poema estruturado, a linguagem aqui usada em alguns momentos se aproxima da poesia.
Erico Verissimo, um dos mais renomados escritores brasileiros do século XX, é amplamente conhecido por suas narrativas densas e engajadas, que abordam temas sociais, políticos e históricos do Brasil e do mundo. No entanto, um aspecto menos explorado de sua obra é sua incursão no haicai, forma poética japonesa tradicionalmente composta por três versos de 5, 7 e 5 sílabas.
Em “O Senhor Embaixador” (1965), um romance que mescla ficção política e crítica social, Veríssimo surpreende os leitores ao incorporar haicais ao longo da narrativa. Esse recurso literário não apenas enriquece a estética do romance, mas também cumpre um papel simbólico dentro da trama.
Na pequena ilha de Sacramento, república imaginária no Caribe, explode uma revolução. Don Gabriel Heliodoro Alvarado, embaixador em Washington e compadre do tirano, volta ao país natal para defender seu amigo contra as forças rebeldes. No entanto, os guerrilheiros comunistas triunfam e prendem o Senhor Embaixador, figura que é a expressão do típico caudilho. Primeiro livro de Erico Verissimo após a consagrada trilogia O tempo e o vento, o romance O senhor embaixador é um retrato crítico e mordaz dos problemas políticos que assolam a América Latina. Concebido sob o impacto da Revolução Cubana e publicado um ano após o golpe de 1964, o livro foi um marco da resistência do escritor gaúcho. Segundo palavras do autor, esta obra “me oferecia a oportunidade de estudar a estrutura política, econômica e social dessas republiquetas da América Central e do Sul e suas relações com o irmão maior e mais rico, os Estados Unidos. A obra é um protesto contra revoluções sórdidas e insensatas, e também, essencialmente, um estudo da natureza humana, do homem como um ser em permanente estado de tensão.
Os haicais no Livro são trocados por Pablo Ortega, primeiro secretário da Embaixada da República do Sacramento e Kimiko Hirota, funcionária da Embaixada do Japão em Washington.
Pablo Ortega e Kimiko Hirota não só trocavam haikais pelo correio, com certa regularidade, como também se encontravam pessoalmente, pelo menos uma vez por mês, numa casa de chá. O diálogo entre ambos acontecia em uma surdina, em que na voz dele adquiria uma quente secura de folha de outono, e na dela era a de uma caixinha-de-música a tocar melodias em ritmo stacatto, com apenas três ou quatro notas. Em geral, evitavam os assuntos íntimos e os temas políticos. Comportavam-se como se estivessem fora do tempo, dentro do espaço mágico dum país sem nome nem mapa .

Em uma das passagens da obra, um colega pergunta a Pablo Ortega:

— Qual vai ser o fim desse romance?
— Não há nenhum romance .
— Como não? Você um dia é apresentado numa recepção a
essa Miss Kimiko Hirota, funcionária da Embaixada do Japão, sentam-se os dois a um canto, conversam durante mais duma hora sobre poetas, samurais, borboletas, pintura em seda e a arte de arranjar flores.. . Enfim, descobrem que são almas gêmeas, ficam amigos, ela passa a lhe mandar todas as semanas um haikai a que você responde com outro. Que é isso senão um romance de amor? 

E mais adiante:

Outubro entrou com sua placidez de âmbar e violeta. Uma tarde, Kimiko Hirota aproximou-se da janela de seu escritório,
na Embaixada do Japão, e ficou a contemplar o jardim, onde
esquilos corriam sobre a relva e subiam nas árvores, cujas folhas estavam agora cor de ouro ou dum vermelho de ferrugem.
Pensou em Pablo e mandou-lhe em pensamentos um haikai.

OUTONO
Bosque de cobre,
Borboleta amarela,
Esquilo fulvo. 

Naquela noite de sábado, Pablo e Kimiko foram jantar no Genghis Khan, onde comeram sukiyaki, beberam sakê e conversaram sobre a arte do haikai.
Ela trajava um vestido de seda dum azul ultramarino, de grande simplicidade, que lhe ia muito bem com o tom de porcelana trigueira da pele.
— Na arte do haikai — disse a rapariga — há um  série de
pequeninos mistérios; alusões, citações, imagens de duplo sentido, palavras-chave...
Falava dum jeito que lembrava a Pablo, esquisitamente, o vôo duma borboleta.
— Por exemplo — continuou Miss Hirota — o poeta, com um simples vocábulo, pode dar ao leitor uma idéia da estação do ano e da hora a que o poema se refere.. .
— Eu sei que flor é sempre de cerejeira e portanto corresponde à primavera .
— Sim. Grilo sugere noite. O cuco anuncia o anoitecer. Se o poeta fala em sino, o leitor sabe que a hora do dia é o crepúsculo vespertino, porque os sinos dos templos do Japão soam sempre a essa hora. E assim por diante.. .
— Par a mim, o badalar de sinos me evoca coisas matinais: luz dourada, glórias, páscoas, aleluias.. .
Kimiko sorriu , suas zigomas cresceram, e por um instante suas negras pupilas ficaram quase escondidas por trás de dois riscos oblíquos.
— Os sinos japoneses — cantarolou ela — são muito discretos.
Têm um som crepuscular, de pouca ressonância.. . — Fez pequena pausa e depois acrescentou : — física.
A presença dos haicais em “O Senhor Embaixador” não é aleatória. Eles servem como um contraponto à prosa do romance, oferecendo momentos de contemplação em meio à densidade da trama. A narrativa, ambientada em um país fictício da América Central chamado Sacramento, aborda questões como ditadura, corrupção e desigualdade social. Os haicais aparecem como pequenas epifanias dentro do enredo, proporcionando pausas reflexivas e estéticas ao leitor.
Além disso, os haicais reforçam o caráter filosófico da obra. Ao capturar imagens fugazes e condensar sentimentos em poucos versos, essa forma poética enfatiza a transitoriedade da vida, tema recorrente na literatura de Erico. Os haicais, com sua brevidade e sutileza, contrastam com a brutalidade e o realismo da prosa do autor, buscando um efeito de equilíbrio dentro da obra.
Embora Erico Verissimo respeite a concisão característica do haicai, ele não se prende rigidamente às regras métricas da poesia japonesa clássica. Seus haicais são marcados por uma sensibilidade ocidentalizada, mantendo o espírito contemplativo e imagético, mas sem necessariamente seguir a métrica tradicional de 5-7-5 sílabas.
Os temas abordados nesses haicais frequentemente dialogam com os eventos e personagens do romance. Elementos da natureza, como o vento, a chuva e o céu, são usados como metáforas para a condição humana e para os conflitos políticos e sociais presentes na narrativa. Essa intertextualidade reforça a ideia de que a poesia, mesmo em sua forma mais sintética, pode carregar significados profundos e dialogar com estruturas narrativas mais amplas.
Outro aspecto interessante dos haicais de “O Senhor Embaixador” é sua função como instrumento de resistência. Em um romance que denuncia regimes autoritários e a repressão política, a delicadeza e a sutileza dos haicais podem ser vistas como um contraponto à violência do poder. A poesia, nesse sentido, torna-se um espaço de liberdade dentro de uma realidade opressora.
Essa abordagem respeita a tradição do haicai japonês, que muitas vezes captura momentos de beleza efêmera em tempos de adversidade. Erico ao trazer essa forma poética para seu romance, utiliza-a como uma ferramenta de subversão e crítica, mostrando que até mesmo a brevidade de um poema pode carregar uma carga simbólica poderosa.

O haicai:

“O vento uiva,
o mar se encapela –
barco à deriva.”

surge em um contexto de instabilidade e crise, tanto no individual quanto no coletivo. A metáfora do “barco à deriva” reflete a situação política do país fictício que enfrenta turbulências devido à ditadura, corrupção e ingerência internacional.
Esse haicai pode simbolizar:
A incerteza política e social: Sacramento é um país pequeno da América Central que sofre influência das grandes potências e lida com conflitos internos. Assim como um barco perdido em meio a uma tempestade, o destino da nação parece incerto e fora do controle de seu próprio povo.
O destino dos personagens: A figura do “barco à deriva” também pode representar os protagonistas da história, como o embaixador e os dissidentes políticos que enfrentam dilemas morais e desafios imprevisíveis.
A fragilidade humana diante das forças externas: A natureza violenta do mar e do vento remete à ideia de que indivíduos, e até países inteiros, são muitas vezes, impotentes diante das grandes forças políticas e econômicas que moldam seu destino.
Em termos estilísticos, a imagem do vento e do mar reforça a noção de movimento e descontrole, alinhando-se com a atmosfera de tensão constante do romance. Esse haicai, portanto, sintetiza em poucas palavras o clima de instabilidade e perigo que permeia “O Senhor Embaixador”.

O haicai:

“Tarde cinzenta.
Um cão ladra à distância,
eco na serra.”

aparece em um contexto de tensão e isolamento, refletindo tanto o clima emocional dos personagens quanto a atmosfera opressiva do país fictício de Sacramento.
Possíveis interpretações no contexto do romance:
Sensação de solidão e desamparo
A “tarde cinzenta” transmite um cenário sombrio, sugerindo tristeza e incerteza. Isso pode estar relacionado ao estado de espírito de personagens que enfrentam dilemas morais e políticos.
O “cão que ladra à distância” pode simbolizar um chamado solitário ou um grito de alerta que ninguém ouve, refletindo a impotência daqueles que tentam resistir ao regime opressor.
A repressão política e o medo
O eco na serra pode sugerir a presença invisível da repressão estatal. Assim como o som do latido se espalha sem um emissor visível, o medo e a vigilância permeiam a sociedade de Sacramento.
O latido distante também pode simbolizar aqueles que tentam denunciar injustiças, mas cujas vozes acabam se dissipando no vazio, sem alcançar mudanças concretas.
A natureza como espelho da realidade política
A paisagem cinzenta pode ser vista como uma metáfora para o ambiente político do país fictício: opressivo, sem perspectivas claras de melhora.
O eco reforça a ideia de repetição e impotência, como se a história da opressão se perpetuasse sem mudanças significativas.

Esse haicai é um dos exemplos da habilidade de Érico Veríssimo em usar imagens simples e evocativas para reforçar os temas do romance. Ele encapsula em poucos versos a sensação de isolamento, medo e impotência que permeia O Senhor Embaixador, tornando-se um pequeno reflexo poético da grande narrativa política do livro.

O haicai:

“Folha caída,
leve dança no vento,
adeus à vida.”

surge em um contexto de transitoriedade, perda e fragilidade da vida humana, possivelmente relacionado à repressão política e à morte dentro da narrativa.
Interpretação no contexto do romance:
Metáfora para a efemeridade da vida
A “folha caída” representa algo que já se desprendeu de sua origem, sugerindo um momento final, um adeus inevitável.
A “leve dança no vento” pode simbolizar o movimento antes do fim definitivo, um instante fugaz entre a vida e a morte.
“Adeus à vida” reforça a ideia de despedida, indicando que essa folha (ou personagem) não tem mais controle sobre seu destino.
Possível referência à violência e repressão política
O romance trata de um país fictício, Sacramento, que vive sob um regime autoritário. Muitos personagens enfrentam perseguições e mortes trágicas.
Esse haicai pode sugerir a morte de alguém, talvez uma vítima do governo ditatorial, cuja vida é levada como uma folha ao vento, sem resistência.
A inutilidade da luta individual diante das grandes forças políticas
A folha ao vento pode representar aqueles que tentam lutar contra a opressão, mas são facilmente varridos pelas forças maiores do regime e da geopolítica.
O tom melancólico do haicai reforça a ideia de que, no contexto do romance, o destino de muitos personagens é selado sem que eles possam evitar sua queda.
Esse haicai sintetiza a visão existencialista de Érico Veríssimo sobre a fragilidade da vida humana diante das circunstâncias políticas e sociais. Dentro de O Senhor Embaixador, ele pode funcionar como um lamento poético pela condição de indivíduos impotentes diante das grandes forças que moldam seu destino.

O haicai:

“Passa a gaivota.
No azul do firmamento,
sombra na areia.”

surge em um contexto de efemeridade, passagem do tempo e influência das forças externas sobre a realidade do país fictício de Sacramento.
A imagem da gaivota em voo representa algo transitório, um ser que passa sem deixar marcas permanentes.
O “azul do firmamento” remete à imensidão do céu, reforçando a ideia de que a vida e os acontecimentos políticos e sociais são pequenos dentro de uma escala maior.
A “sombra na areia” indica um efeito passageiro — assim como a sombra da gaivota desaparece rapidamente, os acontecimentos da trama também podem ser efêmeros e passageiros.
A gaivota pode simbolizar forças estrangeiras que sobrevoam Sacramento, um país pequeno e vulnerável às decisões das grandes potências.
A sombra na areia pode representar o impacto indireto dessas influências — os rastros do colonialismo, da intervenção política e do jogo de poder global que molda o destino do país sem deixar marcas explícitas.
Uma metáfora para personagens que transitam pelo romance
Alguns personagens de O Senhor Embaixador são estrangeiros ou figuras de passagem, como diplomatas e jornalistas, que observam os eventos de Sacramento sem necessariamente se envolver diretamente.
A gaivota pode simbolizar esses observadores, enquanto a sombra representa o impacto sutil que eles deixam antes de partir.
Esse haicai encapsula uma das mensagens centrais de O Senhor Embaixador: a transitoriedade da vida, a influência silenciosa de forças externas e o caráter fugaz dos eventos históricos. Érico Veríssimo, com essa breve composição poética, reforça a ideia de que o destino de uma nação, assim como o voo de uma gaivota, pode ser momentâneo e influenciado por elementos que vêm de longe.

O haicai:

“Chuva na estrada,
passos desaparecem,
tempo sem pegadas.”

está inserido em um contexto de transitoriedade, apagamento e esquecimento, elementos que dialogam com os temas centrais do livro, como repressão política, exílio e o peso do tempo sobre os acontecimentos históricos.
Interpretação no contexto do romance:
Esquecimento e apagamento da memória
A “chuva na estrada” pode simbolizar a passagem do tempo e os eventos históricos que são apagados ou distorcidos.
“Passos desaparecem” sugere que aqueles que vieram antes, suas ações e lutas, podem ser esquecidos, como marcas na areia ou na lama levadas pela chuva.
“Tempo sem pegadas” reforça essa ideia, indicando que certas histórias e personagens podem ser apagados da memória coletiva. Isso dialoga com os temas da repressão política, onde governos autoritários tentam apagar seus opositores da história.
Exílio e perda de identidade
Muitos personagens de O Senhor Embaixador vivem exílios forçados ou voluntários, perdendo suas conexões com o passado.
O haicai pode representar essa sensação de desarraigamento, onde as pessoas perdem sua identidade e sua história, dissolvidas pelo tempo e pelas circunstâncias políticas.
A insignificância do indivíduo diante das grandes forças políticas.
Assim como a chuva apaga pegadas, os indivíduos são muitas vezes apagados pelos grandes movimentos da história.
Em um país fictício como Sacramento, marcado por turbulências políticas, o destino das pessoas pode ser rapidamente esquecido, reforçando a ideia de que os governos autoritários tentam apagar opositores e reescrever a história.
Esse haicai sintetiza de forma poética um dos grandes temas de O Senhor Embaixador: a luta contra o esquecimento e a tentativa de manter viva a memória dos acontecimentos e das pessoas que resistiram. Ele transmite uma reflexão sobre o tempo, o apagamento e a fragilidade da história diante do poder.

O haicai:

“Alva neve cai,
Silêncio cobre a terra,
Inverno chegou.”

representa um momento de transição e simboliza temas como isolamento, repressão e imobilidade.
Interpretação no contexto do romance:
O inverno como metáfora para tempos sombrios
O inverno frequentemente simboliza períodos de crise, dificuldades e estagnação. No contexto do romance, pode estar relacionado à repressão política em Sacramento, onde o silêncio forçado e a ausência de liberdade criam um clima de medo.
A neve cobrindo a terra pode representar o apagamento da resistência ou da identidade de um povo sob um regime autoritário.
O silêncio como opressão
“Silêncio cobre a terra” pode indicar a censura e a falta de liberdade de expressão imposta pelo governo ditatorial do país fictício.
Esse verso reforça o sentimento de medo e a incerteza vivida pelos personagens, em que qualquer manifestação contrária ao regime pode ser sufocada.
A passagem do tempo e a inevitabilidade dos ciclos históricos
O inverno não dura para sempre, e isso pode sugerir que, embora um período de repressão e dificuldades tenha chegado, ele eventualmente será substituído por um novo ciclo de esperança e mudança.
Esse haicai pode estar inserido estrategicamente na narrativa para marcar uma mudança de fase dentro da história ou na vida de um personagem específico.
Esse haicai reforça a atmosfera de tensão política e emocional do romance O Senhor Embaixador. Ele pode ser interpretado como um símbolo do regime opressor, do silêncio imposto pela ditadura e da transitoriedade dos momentos difíceis, sugerindo que, assim como o inverno, o autoritarismo também pode ter um fim.

O haicai:

“Fruta madura,
Doce sabor do verão,
Colheita feliz.”

traz uma imagem de plenitude e recompensa, que pode ser interpretada em diferentes contextos dentro da narrativa.
Interpretação no contexto do romance:
Símbolo de um momento de abundância e realização
A “fruta madura” sugere um ciclo completo, algo que atingiu sua fase final e está pronto para ser aproveitado.
“Doce sabor do verão” pode remeter a um momento de satisfação, prazer e celebração, algo raro no cenário político tenso da obra.
“Colheita feliz” indica que um esforço foi recompensado, o que pode simbolizar conquistas individuais ou coletivas dentro da narrativa.
Possível contraponto ao clima de repressão e crise
Se a maior parte do livro trata de opressão política e instabilidade, esse haicai pode representar um raro instante de esperança ou alívio.
Pode simbolizar a concretização de um ideal, seja no âmbito pessoal (um personagem alcançando um objetivo) ou político (uma pequena vitória contra o regime autoritário).
Metáfora para maturidade e experiência
Assim como uma fruta que amadurece, os personagens do romance passam por jornadas que os transformam e os fazem crescer.
Pode representar um personagem que atinge a sabedoria ou finalmente compreende seu papel na sociedade.
Esse haicai contrasta com outros que soam mais melancólicos e sombrios dentro da obra, trazendo uma ideia de conclusão positiva. No contexto de O Senhor Embaixador, pode simbolizar a esperança de que, mesmo em tempos difíceis, ainda há momentos de realização e satisfação, seja para um indivíduo ou para um povo.
Embora Érico Veríssimo não seja conhecido como poeta no sentido tradicional — ele não escreveu livros de poesia lírica ou versos —, sua obra em prosa é profundamente poética em vários aspectos. A poesia, no caso de Erico, não está na forma, mas na sensibilidade estética, na maneira como ele trabalha a linguagem, as imagens, os sentimentos e os sentidos de forma lírica, reflexiva e muitas vezes simbólica.
A poesia na obra de Érico Veríssimo, entendida como um componente estilístico e temático de sua prosa tem:
1 - Linguagem simples e profunda
Érico domina uma linguagem aparentemente simples, clara e direta, mas carregada de subjetividade e emoção. Ele não recorre a excessos estilísticos nem a rebuscamentos, mas constrói frases que tocam o leitor pela intensidade dos sentimentos que evocam — um tipo de poesia que nasce da economia verbal e da precisão emocional.
“A infância é uma coisa que a gente não esquece, mesmo quando quer.”
Frases como essa têm o poder de condensar experiências humanas com uma força poética comparável à da poesia tradicional.
2 - Poesia da paisagem e da memória
Nos romances como O Tempo e o Vento, a descrição da natureza gaúcha e das cidades do interior é feita com um lirismo que transforma o espaço em paisagem interior. A memória, o tempo que passa, a vida que se transforma — tudo isso é tratado de forma poética, com cadência, ritmo e imagens evocativas.
O vento que dá nome à saga não é apenas um fenômeno climático, mas um símbolo poético do tempo, da mudança, da história em movimento.
3 - Poesia da interioridade e do drama humano
A forma como Veríssimo penetra na alma de seus personagens também tem um viés poético. Seus monólogos interiores, as dúvidas, os sonhos e os medos que apresenta não são apenas construções narrativas, mas explorações líricas da condição humana.
Especialmente em obras como Caminhos Cruzados ou O Senhor Embaixador, há uma poesia triste, reflexiva, sobre a solidão, a injustiça, a esperança e o desencanto.
Enfim, Érico Veríssimo também foi um poeta.

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Academia Rio-grandense de Letras

PATRONOS

CADEIRA 4

Gaspar Silveira Martins

Gaspar Silveira Martins nasceu em Aceguá, município de Bagé, em 5 de agosto de 1835, filho de Carlos Silveira de Moraes Ramos e Maria Joaquina das Dores Martins. Foi alfabetizado em Cerro Largo no Uruguai e, já no Brasil, freqüentou em Pelotas o curso de latim do Prof. Antônio José Domingues. No Rio de Janeiro, cursou Humanidades com o Prof. Vitorio da Costa. Em Recife foi aprovado no curso de Direito, mas acabou concluindo o mesmo no Rio de Janeiro, onde, após a formatura, assumiu o cargo de juiz municipal. Foi deputado provincial no Rio Grande do Sul e Senador pelo mesmo Estado em 1880....

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